sexta-feira, 7 de outubro de 2011

"Ui, que título mau", podem pensar. Não o acho. A morte faz parte da vida da mesma forma que o fazem o ar e as testemunhas de Jeová. É uma inevitabilidade da qual não podemos escapar, e por isso há que encará-la de frente, sem preconceitos.

Escrevo estas linhas porque a morte do meu padrinho de baptismo me pôs necessariamente a pensar nestas coisas enquanto tinha tempo livre na cabeça em virtude das horas que estamos a velar o corpo e a aguardar  o seu enterro. Olhamos muitas vezes para a morte como algo de mau e terrível. Mas, se pensarmos bem nisso, esse é um pensamento quase herético para os cristãos, que acreditam numa vida para além da morte. Se a verdadeira vida é a que se encontra depois desta, então porque é que estamos tristes? Devíamos dar vivas de alegria porque alguém a quem queremos bem já "lá" está, e "lá" ficará enquanto espera por nós (seja o lá onde quer que seja).

No entanto, apesar deste racionalismo à partida à prova de qualquer contradição, insistimos em ficar, após cada morte, tristes e com um sentimento de vazio. É natural do ser humano sentir a falta daqueles que ama, estejam eles mais afastados ou mais perto, sejam eles família ou meros amigos. Por mais ou menos tempo, apodera-se de nós um sentimento de perda e tristeza, e não conseguimos evitá-lo. Por isso, criámos procedimentos e protocolos que nos permitem prestar uma última homenagem ao que partiu, mesmo que não o víssemos há anos. Porque é a última, todos temos tempo e encontramos possibilidade.

Os funerais são, aliás, a melhor forma de encontrarmos amigos, familiares e conhecidos. Tendo em conta que os casamentos estão cada vez mais caros e a lista de convidados contempla cada vez menos pessoas, os funerais tornaram-se a única altura em que todos paramos e nos encontramos, em memória daquele que partiu. E aí vemos quem não encontrávamos há anos e constatamos que o tempo passa por todos e em todos deixa marcas da sua passagem. Também por isso, acaba por ser bom irmos a funerais, principalmente como este a que fui, em que era mais o sentimento de alívio pelo fim de uma doença que só iria piorar a condição de vida do que a tristeza pela morte prematura de alguém que, em teoria, ainda cá deveria andar mais uns anitos. É que assim revemos muitas das pessoas que passaram pela nossa vida e deixaram a sua marca. Há uma alegria que nos une, e que é possibilitada por aquele que partiu. Na prática, é o último gesto bonito do morto, que agradeço: com a sua morte, permite que outros celebrem a vida, reencontrando-se e trocando histórias. E assim, tudo faz mais sentido...

PS - Para memória futura, pelo menos enquanto o Google guardar o blogue, pretendo ser cremado e que as minhas cinzas sirvam para fazer crescer uma árvore pequena à escolha de quem as for recolher ao crematório. Anos mais tarde, se alguém se chegar a lembrar de mim, é só passar perto da árvore e sentar-se à sua sombra, que eu estarei por lá...

PS2 - Ah, e já agora, que no meu velório quem se dispuser a ir leve uma viola, cante umas canções e conte umas anedotas. Gostava que o último momento que proporcione às pessoas que conheci seja de alegria e não de tristeza. Que se lembrem das histórias alegres, cómicas e ok, também as humilhantes, que as vai haver de certeza, e esqueçam as tristes, que não interessam para nada. E pronto, agora que isto está resolvido, volto a preocupar-me com a morte quando ela chegar, mais ou menos daqui a 100 anos, segundo as previsões de uma conhecida, mas discreta, astróloga, que me disse que pelo menos até aos 130 anos vou andar por cá. Em pé ou dentro de uma câmara de criopreservação, já não me recordo bem...

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