quinta-feira, 1 de abril de 2010

“Boa Páscoa” é, digo-o desde já, uma frase muito manhosa. Quando desejamos Boa Páscoa, ou Feliz Páscoa, estamos a pressupor que é um tempo de alegria, à semelhança do Natal: há um feriado e tal, e pronto, Feliz Páscoa, bom descanso, etc. No entanto, para os cristãos este não é um tempo nada fácil. Ao contrário de todos os outros tempos litúrgicos, em que nos celebramos simplesmente a alegria do nascimento, a alegria da ascensão ou a tristeza do martírio, pensar na Páscoa apenas como uma festa é redutor, e pensar nela apenas como um tempo de sofrimento e penitência é ainda mais redutor.

Encontramo-nos, portanto, perante uma das épocas mais "estranhas" do ano para os cristãos, que passam do êxtase para a depressão e de volta ao êxtase em apenas 7 dias. Senão, vejamos:

O Domingo de Ramos é um dia de festa. Celebramos o dia em que Jesus entrou, triunfante, na cidade de Jerusalém. Recordo o filme Jesus Cristo Superstar e penso em toda a alegria que contagiou a população naquele momento, em que o seu Salvador entrava pela cidade santa. No entanto, começam aqui as contradições, pois a liturgia escolhida apresenta-nos no Evangelho a leitura da Paixão e o salmo que é para mim o mais forte, porque triste, de todos os salmos de todas as missas: Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste? Estes momentos são prova de que, apesar do momento de alegria que celebramos, o pior está ainda para vir.

Na Quinta-feira santa, dia da Ceia do Senhor, celebramos o espanto e a estranheza. Estes foram os principais sentimentos cruzados que penso que os discípulos de Jesus sentiram quando, no meio da refeição, Jesus se levantou e se pôs a lavar os seus pés. Confundidos por um Mestre que executa tarefas de escravo, os discípulos interrogam Jesus sobre as suas acções, e Pedro, sempre ele, vai mais longe e proíbe Jesus de lhe lavar os pés. Jesus olha para Pedro com compreensão (muitos acusam Jesus de nunca aparecer a rir na Bíblia, mas aqui aposto que ele sorriu para Pedro), e diz-lhe que é preciso que Ele faça aquilo para que Pedro possa tomar parte com Ele, e Pedro pede-lhe então que lhe dê um banho completo. É a imagem do homem de extremos que Pedro sempre foi e continuará a ser. Saem daquela ceia sem perceber a mensagem de Jesus. Como é que eu posso ser mestre para os outros, se lhes lavo os pés, tarefa de escravo? Não entendem agora, entenderão mais tarde. Entendemos nós hoje o valor da humildade e do exemplo para quem quer liderar e ser mestre? Nem todos, e é pena…

Sexta-feira é o pior dia da Semana Santa. Chegamos à Igreja e não há flores, o altar está nu, sem toalha, e a atmosfera está mais pesada. É o dia da morte de Jesus, é o dia em que nos entristecemos, porque matámos Jesus. Não foi Deus que o quis, ao contrário da crença popular. Como pode um Pai querer a morte do Seu filho? E, no entanto, Ele morreu, por amor a nós, dizem-nos os padres. Amou-nos tanto que morreu porque assim quiseram as pessoas daquele tempo. Uns ordenaram e maquinaram, outros nada fizeram para o impedir. Na prática, todos fizeram a sua parte. Até Pedro, que o negou três vezes, ajudou à Sua crucificação (a imagem forte do filme A Paixão do Cristo, quando Jesus sai do sinédrio e Pedro o encara, é perfeita para perceber o que ia naquelas duas cabeças). Celebramos tristemente o momento em que Jesus, ladeado por dois ladrões, morria porque os homens são maus, porque não são humildes, porque maltratam os seus próximos, mesmo sendo homens da Igreja e de fé (e ultimamente temos assistido, infelizmente, a um avolumar de casos parecidos na Igreja). Foi um momento triste e negativo para todos, e celebramo-lo cantando e rezando de forma triste. Em muitas paróquias, realiza-se, além da Celebração da Paixão, a Via-Sacra, mais uma forma de pensarmos e reflectirmos sobre Aquele que tanto sofreu por nós, para que pudéssemos ser livres com a certeza de que temos um Deus que olha por nós e está connosco, seja quais forem as nossas acções, porque nos ama e sabe que, no fundo, somos capazes de fazer o Bem.

Sábado Santo é o dia do Silêncio. Não se celebra a morte, nem se festeja a Ressurreição. É um dia de silêncio, onde deixamos que a alegria do Domingo de Ramos, a estranheza da Última Ceia e a tristeza da Morte de Cristo operem em nós transformações. À noite, pertinho do fim do dia, juntamo-nos e celebramos a Vigília Pascal, provavelmente a celebração mais demorada de todos os tempos litúrgicos, o que só por si atesta a sua importância. Desde o tempo da Criação até ao momento da Ressurreição de Cristo, ouvimos leituras e cantamos salmos que nos fazem recordar as várias alianças que Deus fez com os homens ao longo dos tempos. Por fim, e porque a cerimónia também visa celebrar esse acontecimento, festejamos a Ressurreição de Cristo. O Pregão Pascal serve então de mote para uma alegria que andou contida nos dias anteriores e que agora se expressa em toda a sua grandeza e liberdade. Jesus ressuscitou, mostrou-nos que o caminho para Deus passa pelo amor ao próximo, pelo querer ser feliz fazendo os outros felizes, e nós alegramo-nos, porque apesar das nossas más acções constantes, temos um Deus que nos perdoa e nos permite sermos pessoas melhores. E isso dá vontade de, mesmo errando, procurar sempre melhorar, procurar sempre subir mais um degrau nas escada que nos leva à felicidade, que nos leva a Deus.

Depois de tudo… descansamos, que foram dias muito complicados, com emoções difíceis de gerir. Por tudo isto, percebem agora porque é que desejar “Boa Páscoa” não é uma coisa assim tão fácil?

No entanto, "Boa Páscoa" a todos… :)

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