quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Para a nossa revista de Dezembro, estou a preparar um trabalho sobre o projecto Igreja Solidária, uma iniciativa do Patriarcado de Lisboa que mais não é que um conjunto de iniciativas locais desenvolvidas pelas paróquias e pelas suas valências no sentido de ajudar as diversas famílias que foram afectadas pela crise económica que já atirou tantos para o desemprego e continua a destruturar lares com uma rapidez assustadora.
Deste trabalho vamos dar a conhecer algumas dessas iniciativas, mas não são esses bons exemplos que vos trago agora, mas sim uma reflexão sobre coisas que fui aprendendo e outras que fui confirmando que sempre existiram sobre toda esta questão do voluntariado e do apoio aos mais carenciados:

- Crentes ou não crentes, todos sabem que se estiverem em dificuldades encontram uma porta aberta na igreja mais próxima. Ninguém sai sem uma refeição, uma muda de roupa lavada, um banho ou alguns alimentos, conforme as suas necessidades. Nesta área, nenhuma outra organização tem a capacidade de resposta e mobilização que a Igreja Católica tem, com todos os seus fiéis que, de forma voluntária, contribuem para proporcionar às famílias carenciadas uma resposta que lhes permita recuperar a dignidade que lhes foi retirada;

- A pobreza envergonhada faz com que muitos não se cheguem à frente a pedir ajuda. São muitas vezes os vizinhos ou amigos a falar com o padre e a denunciar esta situação, ou crianças dessa família que chegam às instituições com fome, porque em casa não comem. Sim, esta situação chocante de não ter em casa nada que comer acontece no nosso país hoje em dia, apesar do quão chocante, irreal e terceiro mundista possa parecer. Podemos ser fáceis a criticar os pais que não se chegam à frente por vergonha, mas antes, pensemos: conheço casos de pessoas que tiveram empresas, com empregados a seu cargo, que passaram a ser empregados bem pagos, desceram para empregados mal pagos e estão nestes dias a trabalhar conforme haja trabalho. O desânimo que se apodera destas pessoas leva-os a ter vergonha de chegar à frente e de pedirem algo para os ajudar a passar mais um dia com dignidade. Por isso, muitas das valências das igrejas estão hoje abertas sob a forma de lojas ou restaurantes, onde estas pessoas vão e não pagam pela sua refeição ou pelas peças de roupa que levam, em conjunto com outras pessoas que pagam pelas suas refeições e pelas suas roupas, podendo assim passar mais despercebidas do que sendo vistas a receber um saco de comida à porta da igreja. É complicado ser obrigado a descer tão baixo para poder sobreviver, e muitos têm vergonha disso mesmo;

- Há paróquias que disponibilizam até chuveiros, com champô, toalhas lavadas e uma muda de roupa, para que as pessoas possam tomar um banho e lavar-se, uma vez que em sua casa não conseguem pagar a água ou comprar produtos de higiene, quando ainda têm casa…

- Há pessoas que se aproveitam da crise para viver uma vida de sedentarismo. Aconchegadas pela Rendimento Social de Inserção (RSI) ou pelo subsídio de desemprego, recusam empregos sem razão aparente, e só se afligem quando o subsídio acaba, chegando nessa altura à igreja exigindo que lhe encontrem um emprego ou lhe dêem comida, porque tem direito a isso. Direito? Direito têm a encontrar um emprego e a fazerem algo da sua vida, sem estar a usar uma ajuda que se torna uma dependência. Por essa razão, muitas outras pessoas que estão de facto a necessitar desse apoio não o conseguem, e sofrem ainda mais do que aquilo que precisariam, caso estas pessoas fossem conscientes. Isabel Jonet, presidente do Banco Alimentar contra a Fome, falava há uns dias atrás sobre o efeito "perverso" que o RSI pode ter, se não forem exigidas contrapartidas laborais ou de voluntariado a quem passa a receber essa ajuda;

- Aproveitando-se da pouca partilha de informação entre as paróquias (em Lisboa, o Igreja Solidária está a melhorar esse aspecto também, e é muito importante que o façam), muitas pessoas chegam a ter a ousadia de irem buscar apoio alimentar a mais do que uma paróquia, ou subsídios a mais do que uma instituição, quando os seus rendimentos reais nem justificavam que fossem buscar sequer a um sitio apenas. É preciso ter descaramento, mas estas pessoas têm-no, aproveitando-se da boa vontade dos outros para se safarem levando uma vida de preguiça e ócio que não lembra a ninguém, enquanto outros sofrem por não poder contar com os recursos que estes desperdiçam. São os chamados profissionais dos subsídios, que vão pedir ajuda e que se demarcam assim que é sugerida uma visita a sua casa, ou um comprovativo dos seus rendimentos. Nessa altura sentem-se muito indignados para com a Igreja, porque lhes quer invadir a sua privacidade, e desistem desses apoios, indo à busca de outros, normalmente estatais, onde a fiscalização é quase inexistente e o dinheiro existe para ser dado, muitas vezes sem olhar a quem, sem conhecer a história ou fazer uma triagem bem feita, proporcionando a existência destes “chicos-espertos”;

Em suma, e porque já me estou a esticar e tenho de voltar à escrita do meu artigo, sinto-me orgulhoso de pertencer a uma Igreja que dá este tipo de respostas que mais ninguém, nem o Estado, com todas as suas leis tão bonitas no geral dos gabinetes mas tão ineficazes nos casos particulares do terreno, consegue dar.
Se são estes os maus costumes que a Bíblia, livro pelo qual todos os católicos se orientam, nos passou a todos, olhe, Sr. Saramago (sim, ele lê frequentemente o meu blogue, não resiste…), secalhar valia a pena mais gente olhar para ela e deixar-se levar por ela… seríamos todos com certeza mais felizes, mais solidários e menos egoístas.

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