sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Os terroristas morreram: e agora, je ne suis charlie mais?


Tenho acompanhado, como milhares certamente, todos os desenvolvimentos no caso do ataque terrorista à redação do jornal Charlie Hebdo, jornal cuja existência até desconhecia. O meu repúdio pela situação é tanta que me desloquei à manifestação convocada por uma jornalista para a Praça dos Restauradores, em Lisboa, e coloquei na minha foto de perfil nas redes sociais a famosa frase "Je suis Charlie", como milhares de pessoas fizeram.

Porque sim, todos somos Charlie, todos somos contra atos bárbaros que vitimam pessoas que, independentemente de gostarmos ou não do que faziam, não mereciam morrer. Nem elas, nem as 100 pessoas que, no dia seguinte, foram mortas pelo grupo islâmico Boko Haram que, na Nigéria, está a fazer o mesmo que o autodenominado Estado Islâmico (eles é que o dizem, eu não lhes atribuo esse nome) está a fazer na Síria e no Iraque, a tentar instalar um Califado. Ou sequer as 200 meninas que foram raptadas há meses atrás, e das quais também se fez campanha nas redes sociais. Ou os 25 que morrearam no Iémen dias antes deste ataque. Por todo o mundo, há pessoas a sofrer com estes terroristas.



Hoje, tudo "terminou". Os terroristas foram mortos, não sei antes fazerem mais reféns e matarem mais pessoas. Nos próximos dias, ouviremos testemunhos dos reféns e tomadas de posição de chefes de governo, assim como opiniões extensas e cansativas (a certo ponto, nada de novo haverá para dizer, mas haverão sempre comentadores a dizer alguma coisa). Reuniões de Estado em todos os países que estão mais "sensíveis" a atos terroristas, e provavelmente ameaças de mais radicais islâmicos, em vídeos, ou em ameaças de bomba que em nada resultarão. Por outro lado, é provável que ânimos inflamados levem a tomadas de posição contra mesquitas, em território francês ou europeu.

Depois, passadas umas semanas, tudo voltará à normalidade na Europa e nos países que sofrem com esta guerra: a normalidade da paz, aqui, e do sofrimento e da morte, lá.

Isto não pode acontecer. É altura dos responsáveis políticos dos países apelarem às armas contra o terrorismo e o fundamentalismo religioso. É preciso que os líderes religiosos se unam e declarem que isto tem de acabar. Temos de nos insurgir contra estas pessoas, temos de procurar que, no futuro, isto não volte a suceder. É preciso sermos firmes e vigorosos em condenar estes atos e em atacar as pessoas que os fazem. Temos de ser impiedosos, e temos de marcar a nossa posição. Deixo algumas pistas sobre o que pode ser feito para exterminarmos da face da terra todos estes fundamentalistas:

- Praticar a Paz com os nossos familiares, amigos, vizinhos e colegas de trabalho;

- Respeitar todas as crenças, todos os ambientes, e sabermos que a vida humana ao nosso lado é valorizada, seja qual for a crença;

- Não noticiarmos voyeurismos sobre pessoas que se juntam a terroristas para fazer guerra (no mesmo dia em que noticiava o ataque ao Charlie Hebdo, o site do Expresso tinha, do lado direito, um destaque especial sobre "os 5 portugueses que se juntaram ao Estado Islâmico". Porquê? O que é que isso interessa? Porque não noticiar os 300 ou 400 (ou mais, ou menos, não interessa) que foram abordados e que recusaram participar em devaneios de loucos terroristas?)

- Darmos condições para receber pessoas de todas as crenças e costumes nos nossos países, e amarmos as nossas crenças, tradições e valores ao ponto de os sabermos transmitir a essas pessoas, para que nos compreendamos nos limites de ambos e saibamos conviver em Paz;

- Sabermos quem somos e não nos deixarmos levar por qualquer louco que apareça a prometer este mundo e o outro em troca de loucuras, e educarmos os nossos jovens para que eles também saibam quem são e possam saber dizer não na altura certa;

- Criarmos políticas que favoreçam a integração de todos, que dêem oportunidades de trabalho a quem precisa, estabilidade familiar a quem a procura, e não nos deixarmos guiar pela lógica do lucro e da ganância;

Só assim venceremos. Podemos fazer guerra, e sim, intervenções armadas para libertar populações poderão ter de acontecer. Mas não são essas medidas que vão mudar alguma coisa. São medidas como as que os escuteiros do Líbano fizeram, de promover um dia de brincadeira para crianças refugiadas iraquianas, que de facto contribuem para a mudança, não bombardeamentos de aldeias inteiras que muitas vezes matam mais inocentes que culpados... esses são males necessários em último recurso, mas que nunca resolveram nada.

Dizemos que somos pequenos para mudar o mundo, para justificarmos a nossa inércia. Mas também passámos os últimos dias a dizer que uma caneta pode mudar esse mundo. Se uma caneta pode fazer isso, imaginem o que pessoas e as suas atitudes podem fazer. Vamos atacar esta besta negra e erradicá-la das nossas vidas?

Foto @RteeFufkin




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