quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Como é tradição, a minha tarde de dia 24, e a de outros, foi passada no lar de Costas de Cão da Sta Casa da Misericórdia, onde algumas dezenas de idosos passam o Natal sozinhos. Há mais de 10 anos que lá vamos passar o Natal, e muitas das caras são recorrentes. Há quem não tenha família, há quem a tenha longe, e há quem a tenha perto, mas não veja na mesma. Apesar de terem razões diferentes, o resultado é o mesmo: a solidão numa noite em que ninguém deveria ficar sozinho.

Quando tudo começou, esta atividade era considerada uma "Prova de Fogo" pela equipa de caminheiros regional D. Gilberto Reis, entretanto extinta. Considerávamos nós que quem decidisse participar estava verdadeiramente imbuído do espírito de serviço, devido ao esforço de abdicar de parte da sua consoada em família para vir aqui. Aliás, é ainda com surpresa que as pessoas reagem hoje em dia quando explico que a tarde e o início da noite de Natal são passados desta forma. No entanto, ao longo dos anos, vários têm sido os voluntários que se dispõem a fazer esta visita, e é muito bom que assim seja.

Este ano senti-me mais mal do que bem. Dei por mim a olhar para aquelas caras, ali sozinhas, sem ninguém que as apoie. Há quem esteja muito debilitado fisicamente e mentalmente (uma empregada do lar explicou-me que a maioria deles sofre de demência), mas também há quem esteja normal e em perfeitas condições de vida. No entanto, ali dentro, todos parecem pertencer a um mundo diferente, um mundo fora do mundo em que todos vivemos, um mundo isolado, onde foram despejados sem apelo nem agravo. Eu sei que há várias iniciativas que procuram mantê-los ativos ali naquele lar, como haverá noutros, mas duvido da eficácia. Era preciso ter um lar aberto à comunidade, que recebesse crianças e jovens também, onde os idosos pudessem mostrar o que sabem e conhecem e ensinar os mais novos, onde pudessem desempenhar uma tarefa que fosse útil, e onde não se sentissem sozinhos.

Naquela noite, dezenas de idosos ali, e milhares espalhados por lares em todo o país, jantaram às 18h45 e foram dormir às 19h30. Quando saímos, havia 4 ou 5 dos mais autónomos que estavam na sala grande a ver o Preço Certo, mas imagino que em breve regressariam aos seus quartos...

Que sociedade estamos nós a construir, que faz tudo por aumentar a nossa vida, mas que ignora aqueles cuja vida aumentou sem a qualidade que seria de esperar? Porque é que pegamos nos nossos mais velhos, e os fechamos em lares para deles nos esquecermos rapidamente? Porque é que os lares não são casas abertas à sociedade, que de lá poderia aprender e receber tanto?

Aqueles idosos sorriram, dançaram, recitaram poemas e aplaudiram quem lá esteve. O seu Natal foi um pouco diferente. E os outros espalhados pelos outros lares? E o resto do ano, como é? De que me serve a mim poder viver mais 15 ou 20 anos, se os vou passar debilitado e sozinho, fechado num lar? Isto é vida?

É nosso dever olhar pelos nossos anciãos, cuidar deles e garantir que têm uma vida tão digna quanto possível. Sejam família ou não, merecem o nosso respeito e nossa dedicação. Sem eles, nós não existiríamos. Sem nós, eles não conseguirão existir...

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