segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Os senhores da Assembleia da República andam por estes dias a preparar um projeto-lei que visa lesar ainda mais o cidadão e contribuinte, através do diploma de nome Lei da Cópia Privada. A ideia original é da Gabriela Canavilhas, antiga ministra da Cultura, agora deputada e ela própria uma autora (conflito de interesses? nã, é só impressão vossa), mas todos os grupos parlamentares aderiram à proposta, de tal forma que a discussão já desceu à especialidade e se prepara para ser aprovada.

Mas para começar, é importante contextualizar-vos: vocês sabiam que desde 1998 todos os suportes de armazenamento de dados, impressoras ou fotocopiadoras e afins pagam uma taxa de 3% sobre o seu preço, antes de IVA, de direitos de autor? Pois é, parece que nessa altura os legisladores consideraram que quem compra este tipo de material vai com certeza fazer pirataria e portanto deve pagar direitos de autor sobre as obras que vai lá ter.

A legislação, logo aqui, parte de premissas, quanto a mim, erradas:
- Se eu compro um CD de música e quero passá-lo para uma pen para o ouvir no meu carro, porque é que eu tenho de pagar por esse conteúdo que já paguei? Só porque o estou a mudar de suporte?

- Se eu quero comprar um disco externo para guardar as minhas fotos ou vídeos, porque é que tenho de pagar por direitos de autor, se o meu disco externo nunca terá lá nenhuma obra de nenhum autor que não seja eu?

Se a questão já estava ferida de morte no seu início, os autores e os deputados da Assembleia de República (percebem o conflito de interesses que falava acima?) resolveram aumentar a parada. Pelos vistos, o que ganhavam já não era suficiente, e por isso a agora deputada Gabriela Canavilhas inventou , enquanto ainda era ministra da Cultura, uma nova legislação, a tal Lei da Cópia Privada, apresentada no final da semana passada na Assembleia da República e enviada para discussão na especialidade sem ser votada na generalidade. Ora então o que diz esta lei?

Bom, a totalidade do diploma pode ser consultado aqui, mas eu deixo-vos um resumo colorido abaixo. Em vez dos 3% por cada suporte de armazenamento de dados, ou impressoras e fotocopiadoras, a taxa a pagar será fixa, e variará consoante o suporte:

- As impressoras multifunções a jacto de tinta pagarão mais 8 €, enquanto que as laser pagarão mais 10€. Depois há ainda uns valores consoante a velocidade de cópias por minuto a considerar, que podem onerar a impressora até 227€;

- Quanto aos suportes digitais de armazenamento de dados, falamos de verdadeiras roubalheiras:


a) Suportes materiais analógicos, como cassetes áudio ou similares – €0,06 /hora de gravação; 
b) Suportes materiais analógicos, como cassetes vídeo ou similares – €0,08 /hora de gravação; 

a) Discos compactos (CD) não regraváveis – €0,03 por cada GB de capacidade de armazenamento; 

b) Discos compactos regraváveis (CD-RW) – € 0,05 por cada GB de capacidade de armazenamento; 

c) Discos versáteis não regraváveis - € 0,03 por cada GB de capacidade de armazenamento; 

d) Discos versáteis regraváveis - € 0,05 por cada GB de capacidade de armazenamento; 

e) Memórias USB e outros suportes como cartões de memória não integrados noutros dispositivos - € 0,06 por cada GB de capacidade de armazenamento; 

f) Memórias USB e outros suportes como cartões de memória integrados noutros dispositivos - € 0,06 por cada GB de capacidade de armazenamento; 

g) Para suportes ou dispositivos de armazenamento, como discos externos denominados „multimédia‟, ou outros que disponham de uma ou mais saídas e entradas de áudio e ou vídeo, que permitam o registo de sons e ou imagens animadas sem que seja necessário utilizar um microcomputador ou quaisquer outros equipamentos ou aparelhos para desempenhar a função de reprodução de obras – €0,06 por cada GB de capacidade de armazenamento; 

h) Discos rígidos ou outros tipos de memórias não voláteis, integrados em equipamentos ou aparelhos, com capacidade a partir de 150 GB e que permitam o armazenamento de dados em massa – 0,02 por cada GB de capacidade, mais 0,005 por cada GB que acresça a capacidade de 1TB; 

i) Outros tipos de suportes ou dispositivos de armazenamento, como os discos rígidos externos ou SSD, com ou sem saídas áudio e ou vídeo e que dependam do emprego de um microcomputador ou de outros equipamentos ou aparelhos para desempenhar a função de reprodução de obras - 0,02 por cada GB de capacidade, mais 0,005 por cada GB que acresça a capacidade de 1TB; 

j) Dispositivos de reprodução de fonogramas, videogramas ou outros conteúdos sonoros, visuais ou audiovisuais em formato comprimido, integrados ou não noutros aparelhos ou equipamentos, como os telemóveis – € 0,50 por cada GB de capacidade de armazenamento.

Se tudo isto é ainda muito complicado, ficam exemplos práticos de preços de produtos digitais (o imposto acresce ao preço antes do IVA, ou seja, o IVA também vai taxar esta compensação que os autores vão receber):

- Um iPhone de 32Gb acresce 16€ ao seu preço;
- Uma pen de 8Gb acresce 0,24€ ao seu preço;
- Um disco externo de 2Tb acresce 25€ ao seu preço antes do IVA;
- Um disco externo multimédia de 2 Tb acresce 120€ ao seu preço (sim, quase que duplica o preço)

Um pequeno exercício de futurologia: neste momento já há discos externos de 3Tb muito acessíveis no mercado. Quando, daqui a 3 ou 4 anos, surgirem discos de 10Tb multimédia, esta compensação será de 600€(?!?!?!?!?!?!) por cada disco externo multimédia.


Segundo o diploma apresentado pelo PS, esta compensação equitativa é para compensar quando os cidadãos que compram CD ou DVD e os gravam noutro suporte para uso pessoal, portanto, pagamos direitos de autor duas vezes.

Portanto, eu que sou fotógrafo e compro discos externos à pazada, vou ter de pagar uma compensação aos autores, mesmo que esse disco externo nunca veja mais nada que seja o meu próprio conteúdo...

Os cidadãos são presumidos culpados antes mesmo de o serem, e nem o deveriam ser, já que se eu paguei por um CD de música, estou no meu direito de transferir esse conteúdo do CD para outro formato que me dê mais jeito de transportar ou ouvir. É quase como se eu comprar um pacote de marshmallows e os despejar dentro de uma caixa de biscoitos: também deveria pagar uma compensação aos fabricantes dos marshmallows por andar com os seus produtos noutra caixa...

Não sei como é que isto se vai desenrolar, e espero que as clientelices acabem na comissão que está a estudar isto, porque assim como está é um convite à pirataria informática. Se eu já pago para ter os conteúdos, porque é que não posso sacá-los à minha vontade???

Quem quiser segui mais sobre o assunto, veja estes links:

http://jonasnuts.com/423564.html?view=3872140#t3872140

http://www.rtp.pt/noticias/?headline=46&visual=9&tm=91&t=Projeto-sobre-lei-da-copia-privada-levanta-polemica-nas-redes-sociais.rtp&article=516550


http://aventar.eu/2012/01/06/lei-da-copia-privada-pl118-todos-criminosos-ate-prova-contraria-12/


http://tek.sapo.pt/noticias/computadores/governo_disposto_a_colaborar_com_ps_na_copia_1212189.html






4 comentários:

Andre Cassio disse...

Pela lógica da "coisa" (se é que isto tem alguma ponta de lógica), estando a taxar-se as impressoras, não se deveria taxar também o papel de impressão?
Neste momento só me ocorre a palavra ridículo para comentar este projecto de lei...

AA disse...

Surreal!

Anónimo disse...

As contas para um disco rigido são:

2 centimos por GB até 1T
2.5 centimos por GB a partir de 1T (e não 0.5 centimos)

ou seja para 2T (interno ou externo) temos:

20€ + 25€ = 45€ de acrescimo antes de IVA

Um pai que não sabe o que faz disse...

Caro Anónimo,

Não é essa a minha interpretação: são 0,02€ por cada GB até 1Tb e 0,005€ por cada Gb acima de 1Tb. O diploma propõe "0,02 por cada GB de capacidade, mais 0,005 por cada GB que acresça a capacidade de 1TB". Pelo menos, é esta a leitura que faço. Não me admirava que fosse como diz, porque nos discos multimédia é a vergonha que se vê, mas a mim parece-me que não é como diz... de qualquer das formas, é um valor abusivo, mas pronto.