segunda-feira, 14 de março de 2011


Devo confessar, logo no início, que tinha muito pré-conceito com esta manifestação. Não acreditava que pudesse ser uma iniciativa sem tendências políticas, apenas um movimento da sociedade civil, lançada por 4 pessoas descontentes com a situação. Pois bem, estive lá, e posso afirmar: foi marcante assistir a todo este movimento da sociedade civil e sem políticos. Digo assistir pois estava em trabalho, a fotografar, e não propriamente a manifestar-me. Apesar disso, estou solidário com a causa, como sempre estive, agora ainda mais porque a “causa” mostrou que está com a cabeça no sítio. Não protestamos à toa, não protestamos contra uma determinada pessoa. Protestamos contra um sistema implementado que implica políticos, empresários… e os cidadãos, que permitem que as decisões políticas do país sejam deixadas à mão de alguns poucos, eleitos por cada vez menos pessoas. Se as pessoas se manifestassem e, em vez de ficarem em casa, tivessem ido às urnas votar em branco, essa teria sido uma realidade muito mais difícil de escamotear, de deixar passar.

Mas voltando a sábado, fiquei impressionado por duas coisas: observar aquele magote de gente (300 mil, 10 mil, enfim, a Avenida da Liberdade cheia de gente. Não sei quantos lá cabem, mas que estava cheia não há dúvidas) com cartazes feitos por si, em casa, e as famílias inteiras que se manifestaram. Muitas crianças passaram por aquela Avenida, pela mão dos pais ou em ombros, protestando não sabendo bem do quê, mas atentas a tudo o que se desenrolava à sua volta. O protesto foi pacífico, e com um sorriso na cara. Era ver grupos musicais a actuar, pessoas quase em ritmo de passeio, com a excepção de envergarem cartazes que reclamavam da sua situação ou da situação dos seus filhos. Não foi um protesto de jovens, foi um protesto de toda uma sociedade que não está contente com o rumo que as coisas estão a tomar e quis sair à rua para afirmar isso mesmo.

O assunto é grave e não pode ser ignorado pelos políticos. Porque, se o for, não merecem ser os nossos representantes. O nosso primeiro-ministro teve (mais) uma saída infeliz, quando disse que compreendia o protesto dos jovens e que o governo estava a fazer o que podia por uma política de “modernidade”. Deu o exemplo da lei que despenaliza o aborto, a lei que facilita o divórcio e a lei que permite casamento entre pessoas do mesmo sexo. O que é que isto tem a ver com a precariedade do mercado de trabalho? Pois, nada…

A geração à rasca não atinge apenas os empregados com recibos verdes, atinge toda uma sociedade que é mal paga. Os salários são baixos e o custo de vida é altíssimo, e isto é preciso denunciar e debater. Um trabalhador pode ter um contrato de trabalho que lhe dê “estabilidade”, mas como é que é possível viver com os ordenados que temos?

Vamos fazer contas mensais:
- Empréstimo da casa (consideremos um T1 grande, ou um T2 razoável): 400€
- Alimentação para uma pessoa: 150€
- Luz, Água e gás: 60€
- Comunicações: 30€
- Internet e televisão (agora vai deixar de haver televisão de borla, portanto nem essse argumento pega): 40€
- Passe: 45€
- Gasolina para deslocações várias: 70€
Total: 795€

Isto são as despesas fixas (e fui generoso na contabilidade, como muitos concordarão), que todos os meses temos de pagar. Além destas, temos de nos vestir, calçar, pagar seguros do carro, despesas extra, e temos de VIVER. Sim, temos de poder jantar fora de vez em quando, fazer umas férias, comprar uns livros ou filmes, ir ao cinema, ter os nossos passatempos, enfim, fazer o que gostamos.

A vida foi feita para viver, não para sobreviver. Com um ordenado mínimo nos 500 euros (ainda não, só no final do ano, que ainda se adiou isto também), como é que uma pessoa pode fazer face a tudo isto? Dir-me-ão que a dois é mais fácil enfrentar estas despesas. Sim, é certo, mas a dois implica que em breve sejam 3 ou 4, como seria desejável. Logo, as despesas fixas disparam. Além disso, e quem não está “a dois”? Quem quer iniciar uma vida sozinho? Pois é, esses não podem, e por isso ficam a viver em casa dos pais até idades tardias. Porque não há forma de fugir a estas despesas que, em muitos casos, até seriam superiores. O mercado de arrendamento não permite ter rendas baixas, as casas estão caríssimas para serem compradas, os combustíveis estão caríssimos, e portanto não há solução à vista para este problema.

As coisas estão mal, e vão demorar a modificar-se, sejamos nós trabalhadores precários ou contratados. É preciso que quem decide decida bem, e em favor daqueles que representam. Precisamos que as políticas sejam elaboradas tendo em vista o bem supremo, que é a felicidade das pessoas, a sua qualidade de vida. Que se exija trabalho duro, sim, que se estimule a competitividade, sim, mas que isso não signifique diminuir tanto a nossa qualidade de vida que nos torne meras máquinas de trabalho.

Nós trabalhamos para viver, não vivemos para trabalhar!

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