terça-feira, 17 de março de 2009

Sinto que este vai ser um tema recorrente esta semana de visita do Papa a África. Seja porque a Igreja vai puxar pelo assunto (e eu espero que não), seja porque a comunicação social que acompanha a visita, ávida de polémicas, vai estar sempre a puxar pelo assunto.

http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1369556

Vamos por partes. Eu concordo com a visão da Igreja. Acho que a principal solução a médio e longo prazo para o problema da SIDA em África é o planeamento familiar, é não a abstinência sexual, como muitos dizem, mas a luta pela existência de relações monogâmicas e o fim da poligamia, seja ela assumida ou não. Mais do que andar a distribuir preservativos, a Igreja deve procurar mudar mentalidades. Não somos mais uma ONG que vai lá fazer um trabalhinho durante 6 meses e se vem embora. Não, a Igreja é muito mais do que isso, e portanto deve pensar em coisas a longo prazo, nunca apenas em resolver problemas do dia-a-dia. Conseguir que o povo africano deixe as suas tradições poligamistas e consiga descobrir a beleza das relações monogâmicas, podendo com isto dar uma outra dignidade à mulher dentro da sociedade africana, será difícil mas é essencial para um futuro mais igual entre homem e mulher em África.

Apesar de tudo isto, a Igreja não pode, no entanto, ficar indiferente ao flagelo da SIDA, que mata todos os dias pessoas em África e no resto do mundo, embora a situação seja mais dramática no continente africano. Por isso, e na impossibilidade de recomendar o uso do preservativo para evitar a propagação ainda maior do flagelo, por questões de coerência com a sua mensagem, a Igreja deveria abster-se de fazer estes comentários que de algum forma se tornam..... desfasados da realidade. Parece-me claro, a mim que já estive em África e contactei com órfãos que ficaram sem os pais por causa da SIDA, com jovens que vêm o seu futuro desfeito, com mulheres que se viram enganadas pelos maridos e com isso contraíram o vírus... esta é uma realdiade que existe e que tem de ser combatida já. E por isso acho que a Igreja, e os seus responsáveis, deveriam não intervir nestas questões. Não se pronunciar a favor nem contra, e apostar tudo na sua política de mudança de mentalidades, muito mais importante e essencial que qualquer questão básica sobre o preservativo, que, na prática, ajuda a combater o flagelo no curto prazo, mas não terá qualquer influência no longo prazo...

3 comentários:

Lena disse...

Ricardo, nem pareces tu um homem que estudou antropologia. A cultura de cada povo é a sua identidade. A monogamia é uma coisa ocidental...não podemos arrogar-nos do direito de achar que a nossa cultura e tradição é melhor que a deles. Se queres saber, o que eu acho é que a Igreja, com o poder que tem no Mundo, deveria rever a sua mensagem. Não faz sentido nos dias de hoje a Igreja manter as mesmas posições de há cem anos ou mais. É por estas e por outras que cada vez menos jovens se sentem atraídos pela Igreja. E depois fala-se em crise das vocações...pois sim... desadequação à realidade isso sim!

Um pai que não sabe o que faz disse...

Falamos de duas coisas diferentes, Lena. Estudei Antropologia, e acho que cada cultura é única e todas as suas especificidades devem, sempre que possível, ser preservadas. Eu estive no terreno, em contacto com essa cultura, e deixei-me envolver por ela.
No entanto, tudo muda quando disso há necessidade. O povo europeu tinha o hábito cultural de enterrar os seus mortos nos adros das igrejas, por exemplo, mas foi obrigado a mudar por causa da peste. É um exemplo de como as coisas mudam.
Em África, e digo-te isto por conhecimento de causa, é a promiscuidade e a poligamia os responsáveis pelo alastrar da SIDA e pela diminuição do papel da mulher, com tudo o que vem atrás de violência e discriminação para com as mulheres.
Porque é cultural um homem bater na mulher e submetê-la a todos os trabalhos pesados devemos aceitar e não procurar oferecer uma visão diferente das coisas (oferecer, não impor, atenção)? Porque é cultural, devemos continuar a permitir que o homem continue a transmitir o vírus da SIDA a todas as mulheres com quem dorme, que são muitas por causa da questão da poligamia?
Sim, porque na África real, não nas capitais dos países, ninguém usa o preservativo, que é "uma invenção dos brancos para acabar com a raça negra", ou então "o objecto que transmite a SIDA, basta pôr água lá dentro para ver que a SIDA vem dentro dos preservativos". Isto são reacções reais de africanos "esclarecidos", que já tiveram formação, dada por pessoas da Igreja, ao contrário do que as pessoas apregoam por aí, pelo que podes calcular a popularidade do preservativo.
Digo-te mais: para se curarem de uma simples gripe, enxaqueca ou unha encravada, muitos africanos vão, por questões de cultura, ao curandeiro, que lhes faz umas mezinhas e uns cortes na pele para enfiar umas ervas e, assim, eles ficarem curados. Essas lâminas são usadas sem estarem esterilizadas, fazendo com que muitos apanhem a SIDA quando vão para se curar. Irónico, não é? Mas isto é cultural, pelo que secalhar devemos permitir que isto continue a acontecer, e não devemos alertar para os pergiso desta situação, né? Segundo a tua teoria... :)

Não acho que as coisas sejam tão preto no branco como as pessoas gostam de pintar só porque é fácil criticar o Papa porque não se usa o preservativo. Essa é a solução fácil, preferida de quem não conhece o terreno. Não é a mais eficaz, e se fores consultar estudos realistas e documentários bem feitos, e por organizações fora da Igreja, podes comprovar isso mesmo...

Lena disse...

A Igreja, sendo a instituição que é e com a força que tem, tem o dever, eu diria até a obrigação, de alertar para o uso do preservativo e não fazer o contrario ou não se pronunciar fazendo de conta que não tem nada a ver com isso. Acho vergonhosa a posição da Igreja em relação ao preservativo.