terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Uma notícia no site Dinheiro Vivo há dias reportava que os cidadãos esperam conseguir comprar um carro a pronto pagamento, alterando o que seria aparentemente de esperar, pelos vistos. A mim só causa estranheza que apenas agora as pessoas se lembrem que, afinal, devem comprar as coisas para as quais têm dinheiro, e não o contrário.

A ânsia consumista das populações dos países mais desenvolvidos levou-os a alterar a sua conceção de compra. Alicercados na ideia de que é preciso consumir cada vez mais, o crédito surge como uma resposta aparentemente brilhante aos desejos negociais dos grandes industriais. Assim, instituiu-se na sociedade a ideia perigosa e eticamente reprovável que se pode ter hoje aquilo para o qual ainda se vai trabalhar para ter.

Antigamente, nos dias que parece que hoje estão a voltar, se eu queria comprar algo, poupava, poupava, poupava, e quando chegava a altura, partia o porquinho mealheiro, contava os trocos todos e ia todo contente comprar a viagem ao Egipto que eu tanto desejava . Dava valor ao trabalho, porque tinha-me esforçado muito para alcançar aquele objetivo, e sobretudo dava valor à viagem, que permanecia no meu imaginário por tempos intermináveis como lembrança de que o trabalho dá resultado. A poupança a funcionar no seu melhor.

Hoje, observamos uma inversão completa do sistema: queres ir de férias já? Viaja agora, e ficas a pagar nos próximos dois anos a viagem que fizeste agora. Não precisas de te preocupar em esperar, porque podes ter a viagem que sempre desejaste já, agora. Não é bom? Não, não é. O que é que acontece a seguir? 3 meses depois da viagem, que ainda estamos a pagar, vemos um carro fantástico que queremos ter. O que fazemos? "É fácil, fazes um crédito e ficas a pagar o carro por uns aninhos em prestações bem suaves", dir-nos-á um vendedor muito bem intencionado, que só nos quer ajudar a sermos mais felizes...

O que sucede em todo este processo? Deixas de trabalhar para atingir um objetivo, porque esse objetivo já está alcançado a priori, e desanimas, desmotivas, pelo menos enquanto não arranjas outro objetivo. Mas em teoria não podes trabalhar para esse objetivo, porque ainda estás a pagar o outro. Mas tu não queres saber, porque a vida são dois dias e o Carnaval são 3, e acumulas dívidas.

Um dia, ficas sem emprego, porque a crise estalou e, afinal, não tens possibilidade de pagar aquilo que há 1 ano atrás achaste que terias. O que acontece? Culpas o sistema, a crise, os políticos, mas não te culpas a ti próprio, porque contaste com o "ovo no cu da galinha", e afinal ele não estava lá...

Infelizmente, a sociedade está organizada para que te seja impossível, nas grandes cidades ou nas pequenas, ter uma casa sem contraires um empréstimo para o resto da tua vida. Mas para além deste, todos os outros créditos são tentações que apenas servem para te colocar em sarilhos. Se queres ir de férias, porque é que não poupas durante 2 anos e depois vais de férias descansado, porque poupaste o que precisavas e sabes que não terás dificuldade em pagar no futuro, porque já o pagaste no presente. Se queres um LCD estrondoso, porque é que não poupas para o comprar quando tiveres o dinheiro na mão? É assim tão mau esperar pelo tempo que virá, que temos de hipotecar o futuro por causa de termos um presente mais cheio de coisas?

Como é que uns pais que têm crédito do carro, das férias, do televisor, da Bimby, de tudo, podem ensinar os seus filhos a pouparem no seu mealheiro para no futuro poderem ter o que quiserem? Se o pai teve tudo no momento em que quis, como é que vai explicar ao filho que ele só pode ter as coisas que gosta quando juntar o dinheiro para isso? É difícil, e por isso também os miúdos têm tudo antes de tempo e não aprendem a dar valor ao fruto do seu trabalho.

Quando eu fui comprar o carro que adquiri agora, a vendedora de um dos stands tentou convencer-me a comprar um modelo acima, apesar de eu não ter orçamento para isso. "Não faz mal, pede um crédito pequenino para esse valor, fica a pagar pouquíssimo", dizia-me, e olhou-me de lado quando eu lhe disse que não pretendia gastar mais que o dinheiro que tinha, porque era de facto esse que tinha, e não queria fazer empréstimos. "Mas se pode ter um modelo melhor por mais 3 ou 4 mil euros, porque não tê-lo?" A resposta é que não posso tê-lo, exatamente pelo facto que não tenho dinheiro para ele. Essa é uma certeza, e rodeá-la com créditos e empréstimos foi uma das razões (não a única, obviamente) pelas quais muitos portugueses estão hoje em maus lençois...

A crise parece estar, no entanto, a devolver este pensamento à mente das pessoas. Nada na nossa vida é certo, muito menos o emprego. Vivemos num mundo em constante mudança, e não sabemos por quanto tempo temos os nossos empregos, ou se passaremos por fases em que teremos de nos ajustar a uma austeridade auto-imposta. Por isso, mais pessoas têm hoje medo de contriar créditos, e passam a trabalhar para juntar dinheiro e só depois comprar o que precisam. Esta é mais uma das lições que devemos retirar da crise, e uma das mais valiosas, porque nos dará a força para voltarmos a perseguir os nossos objetivos com mais motivação, e a procurar alcançar aquilo a que nos propomos sem atalhos que só prejudicam...

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