terça-feira, 19 de janeiro de 2010

(Foto Damon Winter/NY Times)
Faz hoje uma semana que ocorreu o terramoto no Haiti. Assistimos todos, com grande consternação, às imagens que nos iam chegando de sofrimento, dor e morte. Também porque as imagens eram por demais fortes, nunca me senti compelido a falar sobre o assunto. Tenho acompanhado diariamente o andamento das intervenções, e feito a minha parte no que diz respeito à ajuda ao povo haitiano: rezo por eles e contribuo para uma das imensas contas que entretanto foram disponibilizadas para reunir fundos para a ajuda de emergência e para a reconstrução do país. E é exactamente a questão da ajuda de emergência que me preocupa, por ainda não ter chegado às pessoas.
Faz-me confusão como é que tanta malta de ONG está no terreno e não começou ainda a disponibilizar em massa as toneladas de ajuda que vão chegando diariamente ao aeroporto de Port-au-Prince. Sim, é preciso preparar tudo, e sim, é preciso que as coisas sigam um planeamento. Mas precisamos de tantos dias para planear? Quanto mais tempo passa maior é a probabilidade de aumentar o número de mortos. Se 50 mil (é o número oficial vindo de fonte credível) é um número assustador, pensar nos 300 ou 400 mil que sobreviveram mas estão feridos ou há uma semana que não comem ou bebem água decente é ainda mais assustador. Se a ajuda demorar a chegar o número de mortos vai aumentar, seja por causa da fome e das más condições sanitárias, seja por causa da violência e dos gangues que começam a infestar a cidade, tentando controlar o pouquíssimo que está à disposição de todos. Depois assistem-se a cenas lamentáveis, como os poucos camiões de água que vão chegando. O repórter da RTP, Vitor Gonçalves, relatava como um grupo de idosos e crianças, por ventura os mais necessitados, não conseguiam chegar a um camião de água que era quase engolido por uma multidão desesperada. E a tendência é piorar a situação nos próximos dias, porque o que pode parecer um tempo de organização para as organizações no terreno é um martírio para as gentes que se arrastam pelacidade, tropeçando em cadáveres e escombros sem rumo e sem ajuda.
E há o problema da violência, que tenderá a ser maior conforme passem os dias. O Estado decretou o Estado de Emergência, com recolher obrigatório, mas onde é que as pessoas se vão recolher? Proíbe as concentrações, mas as pessoas não hão-de tentar chegar à água ou ao hospital? Não há volta a dar, a violência vai aumentar exponencialmente se nada for feito para fazer chegar a todos, mas a todos mesmo e não apenas a alguns, a ajuda de emergência que vai chegar ao país. O exemplo foi o assaltante que matou um comerciante e foi queimado vivo logo de seguida pela população que o apanhou. Mesmo os justos irão escolher a forma violenta de aplicar a justiça, pois é a única forma que é possível neste momento.

É verdade que as estradas ficaram danificadas, que o porto não consegue recber navios e que o aeroporto só tem uma pista de aterragem. Mas também é verdade que, do outro lado da cerca, há pessoas a morrer sem o mínimo de apoio. Por isso, se os carros não passam, pegue-se em burros, carrinhos de mão ou mochilas e toca a fazer chegar tendas, água e alimentos a quem mais precisa. A ajuda é necessária já, não daqui a duas semanas, quando tudo estiver bem planeado mas já não houver ninguém para a receber...


(Foto Damon Winter/NY Times)

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