Morreu o "nosso" Papa Francisco

Quem estava mais próximo do Padre Honório já sabia que ele não estava bem. A notícia da proximidade da sua partida para o Pai foi-se passando e todos estávamos preparados para a acolher com a serenidade possível. A notícia chegou ontem, domingo, e a todos encheu de tristeza. Há quem diga que os padres deveriam poder casar para poderem formar família, mas o que é facto é que a família do sacerdote são as suas ovelhas, a sua paróquia. E neste caso o Pe. Honório tinha uma grande família, fruto de 17 anos de relação com uma paróquia que aprendeu a amá-lo e a respeitá-lo.

Numa das suas primeiras ações como pároco da Charneca, há 17 anos atrás, nas Promessas do 467
(na minha promessa de caminheiro)

Era um homem divertido que nunca se escusava a uma piada ou a uma história. E se as tinha para contar! Desde o homem que percorreu kms na bicicleta para lhe dar de comer em Moçambique, aos guerrilheiros que lhe indicavam as rotas seguras para ele fugir aos confrontos, as histórias eram repetidas vezes sem conta, nas homílias, nos convívios, em reuniões.

A paróquia nunca esquecerá o padre que detestava falar ao microfone e que preferia estar no meio das gentes. Ontem, um amigo dizia-me que tinhamos perdido o "nosso" Papa Francisco, que já cá andava bem antes do Cardeal Bergoglio assumir a cadeira de Pedro. Ia para o meio das pessoas, ao jeito de África, um hábito que nunca perdeu. "Ouvem bem aí em cima?", perguntava sempre antes de deixar o ambão, gerando um sorriso em quem o ouvia.

As suas mensagens eram simples e fáceis de compreender. "Amem-se uns aos outros", "não se prendam a regras que vos afastem do amor de Deus", "saibam sempre estar prontos para ajudar", e "não se preocupem, Deus ama-vos sempre e não castiga ninguém". «Avós, não digam aos vossos netos que Deus castiga. Deus não castiga ninguém, isso é um disparate», disse várias vezes nas suas homílias.

Comentando os posts que apareciam nas redes sociais a dar conta do seu falecimento, foram muitos os que deram testemunho de como o Pe. Honório se tinha tornado parte da família. Casou o casal, batizou os filhos, deu-lhes a primeira comunhão, esteve presente em grande parte da caminhada de novas famílias na fé e essas famílias reconheceram isso mesmo, e isso é um dos legados mais bonitos que ele quereria deixar. Também no meu percurso esteve presente: fez-me a investidura de caminheiro e de dirigente, e foi sob o seu olhar atento e de pastor que levei as minhas afilhadas até ao Crisma.

Crismas de 2010

 

Crismas de 2003 (na foto a Rita, mas sem esquecer a Mila :) )

Na minha Promessa de Dirigente, em 2007

Apesar de nem sempre concordar com a sua prática pastoral (várias vezes falámos sobre a pastoral, a paróquia, era muito bom falar com ele), sempre me impressionou a imagem de respeito e acolhimento que conseguiu granjear entre todas as pessoas que o conheciam. A sua bondade de pastor entusiasmava-nos e levava-nos para a frente. «Vamos, mano», «Belíssimo, mana, avance», eram expressões que facilmente se ouviam da sua boca quando lhe apresentávamos ideias ou soluções para problemas. Se era do fundo do coração, tudo estava bem.

Num retiro do grupo de jovens CARISMA na Ericeira, em 2003

Recordo uma das facetas talvez mais desconhecidas do Pe. Honório: a de estudioso aplicado. Guardo ainda (e agora com mais saudade) muitos dos textos que escreveu para o jornal de agrupamento, pois não usava computador e escrevia tudo à mão. Pedaços de sabedoria que me surpreenderam pela positiva, pois era uma faceta que não dava a conehcer no dia-a-dia da paróquia. 

Hoje, no funeral, olhava para todo aquele mar de gente e imaginava-o a chegar ali e enxotar toda a gente para fora da igreja. «Não me liguem importância, vão antes cuidar dos vossos, ou ajudar um pobre», diria certamente quem nunca gostou muito de ser elogiado ou aplaudido. Mas era impossível não ir prestar uma última homenagem ao homem que tanta gente marcou durante o seu tempo entre nós, e a presença de tanta gente serviu apenas para reforçar a imagem de que esta é a forma de esar em igreja que cativa, que aproxima e que deve servir de imagem e modelo para quem vem atrás.

Promessas em campo, no mato, onde o Pe. Honório se sentia como peixe na água

Mais do que lembrar o Pe. Honório, a sensação que tenho agora é de responsabilidade. Não podemos apenas olhar para a memória deste sacerdote com saudade, devemos olhá-la e perceber que o nosso testemunho tem de ser assim, como o exemplo que ele nos deu. De nada lhe servirá pensarmos no quão bom ele era, se isso não nos levar a nós a mudarmos algo em nós. Por isso, o legado que o Pe. Honório deixa é pesado. E não o deixa apenas ao próximo pároco, mas a todos os paroquianos que ao longo destes 17 anos com ele conviveram e dele aprenderam muito do que sabem hoje sobre a Igreja e sobre o ser cristão. Temos de seguir o exemplo do Pe. Honório, pois isso fá-lo-á bem feliz, quando olhar lá de cima cá para baixo, para as ovelhas que apascentou, alimentou e animou durante toda a sua vida de missionário...

Zikomo Kwambiri, Pe Honório, por tudo...

As procissões de Nossa Senhora eram um dos momentos altos do ano para este mariano devoto

Numa eucaristia em campo na saudosa Zimbreira, em 2004, no ACAGRUP

Na Missa de Envio antes da minha partida e da Patrícia para missão, em 2005

Nas Promessas de 2007, a falar de braços abertos para o povo, como gostava